SOLIDÃO PASTORAL: HÁ CURA PARA ESSE MAL?

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“O ministério pastoral é solitário!” Certamente todo ministro do Evangelho já ouviu essa frase! O mais triste, porém, é que muitos pastores experimentam e convivem com essa realidade! Para esses, essa afirmação não é um simples clichê, mas algo tangível e que reflete seu modus vivendi. Mas quão pervasivo é esse mal e como remediá-lo? O propósito desse ensaio é refletir justamente sobre essas questões.

Em seu artigo sobre “a dor secreta dos pastores”, Phillip Wagner, com base em um estudo estatístico desenvolvido pelo The Fuller Institute, aponta que 75% dos ministros entrevistados afirmaram não possuir amizades sólidas. Aquela situação pode ser adequadamente ilustrada por uma confissão de Steve Dewitt publicada no site do The Gospel Coalition em agosto de 2011. Dewitt, que é pastor titular de uma grande igreja no estado americano de Indiana, tem publicado vários livros e lidera um conhecido programa de rádio em seu país, é uma pessoa popular e certamente poderia reunir bom número de admiradores ao seu redor sem muitos esforços. No entanto, em sua “confissão”, ele admitiu ser uma prova viva de que é possível fazer parte da multidão e, ainda assim, estar solitário. Infelizmente a experiência de Dewitt pode ser compartilhada por inúmeros ministros do Evangelho, não apenas nos EUA, mas também no Brasil.

Em certo sentido, a solidão é realmente intrínseca à atividade ministerial. Na verdade, qualquer posição de liderança implica em algum distanciamento e reclusão do líder e, no ministério pastoral, isso não é diferente. Alguns pastores precisam se isolar por horas na preparação de sermões, palestras, lições de Escola Dominical ou mesmo na intercessão pelo rebanho. Nosso Supremo Pastor costumava se retirar para “lugares solitários” a fim de orar (Lucas 5.16) e, em determinada ocasião, ele convidou seus apóstolos a “repousar à parte”, visto que não tinham tempo nem para comer devido à multidão que atendiam (Marcos 6.31). Todavia, após aqueles momentos de reclusões, o Senhor sempre retornava ao convívio com seus discípulos. Ele ainda confirmou a necessidade de sociabilidade dos seus seguidores ao enviá-los de dois em dois para o trabalho missionário (Lucas 10.1). O problema, porém, ocorre quando a solidão deixa de ser proposital ou momentânea e se torna um “estilo de vida” para o pastor. Quando isso acontece, a solidão se torna insustentável e até aflitiva. Um dos resultados desse fenômeno é a enfermidade emocional do ministro, além de prejuízos para sua família e congregação.

Antes de prosseguir, é necessário distinguir entre solidão e isolamento. Embora pareçam sinônimas, essas palavras descrevem realidades diferentes. A primeira diz respeito a uma circunstância subjetiva, causada por diferentes fatores alheios à vontade do ministro. A segunda, no entanto, acaba sendo uma atitude objetiva, geralmente ocasionada pela decisão pessoal daquele que deseja se afastar dos outros e não faz o menor esforço para remediar a situação (no caso do isolamento, as exceções ocorrem quando a pessoa se encontra em uma condição física ou mental que precisa ser afastada do convívio social por alguma autoridade médica ou judicial). Há muitos ministros que se isolam, não buscam comunhão e se afastam do convívio com outras pessoas. No geral, isso não pode ser confundido com solidão, pois nesses casos o resultado foi buscado pelo próprio indivíduo ao invés de ser sofrido por ele.

A busca por explicações quanto a origem da solidão pastoral pode encontrar respostas variadas. É possível que ela seja circunstancial, como ocorre logo após um caso de transição pastoral, quando o obreiro não teve o tempo devido para desenvolver novas amizades. Nesses casos há também o elemento geográfico, pois os amigos ficaram para trás. É possível ainda que a solidão ocorra por uma separação inesperada, como ocorre em casos de mortes de pessoas próximas a nós. Também, quando o pastor enfrenta oposições do rebanho, ele se sente solitário e desprovido de ouvidos amigos para compartilhar sua dor. É difícil relatar casos de rejeição sem expor desnecessariamente os envolvidos e até pecar contra eles e, por isso, muitos pastores se calam e permanecem solitários.

Há, porém, casos nos quais a solidão pastoral é fruto da internalização de uma mentira apreendida desde os tempos do seminário, ou seja, de que ele está condenado a viver só. Essa mentira é resultado da profissionalização do ministério, a qual compara o pastor ao CEO de alguma empresa e deixa de vê-lo como um guia espiritual de irmãos em Cristo, com quem partilha fraquezas e objetivos. Também, é possível que a solidão ministerial seja fruto da desconfiança gerada por frustrações passadas. Algumas dessas decepções podem ter sido experimentadas pelo próprio obreiro, mas outras foram apenas assistidas por ele em relação a algum colega de ministério. Assim, devido ao medo, alguns pastores simplesmente se isolam. As causas podem ser variadas, mas os efeitos comuns são nocivos.

Como lidar com isso? Como enfrentar esse “fantasma que atormenta a tantos”? Qual o remédio bíblico para esse mal que atrapalha tantos servos do Senhor?

Solidão ministerial é um problema complexo e seria ingenuidade imaginar que exista uma “bala de prata”, ou seja, algum instrumento mágico para erradicá-lo. Todavia, Deus não nos deixou sem recurso para lidar com essa dificuldade e as Escrituras nos apontam princípios eficazes na luta contra essa adversidade.

Dentre inúmeras passagens bíblicas a serem utilizadas, é possível selecionar duas que retratam diretamente essa questão na vida de alguns servos do Senhor e observar como eles lidaram com a solidão. O primeiro texto bíblico diz respeito ao ministério do Senhor Jesus e descreve o momento em que ele orava no Getsêmani, pouco antes do seu aprisionamento. Os evangelistas registram que, naquele instante, o Senhor se voltou aos seus discípulos e disse: “a minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo” (Mateus 26.38). No entanto, depois de orar individualmente, Jesus se voltou aos discípulos três vezes e em todas elas os encontrou dormindo. Em outras palavras, nos momentos mais angustiantes de seu ministério terreno, o Senhor foi deixado sozinho. A segunda passagem bíblica se encontra em 2Timóteo 4.9-18 e relata os últimos momentos da vida do apóstolo Paulo, que estava preso em Roma, prestes a ser morto, tendo enfrentado a primeira fase do seu julgamento e desprovido da companhia de seus queridos amigos. Somente Lucas permaneceu com Paulo; durante o seu julgamento, “todos” o abandonaram (v 16). Mas, além de descrever a condição solitária desses dois servos divinos, esses textos também relatam como eles reagiram àquela condição.

Ambos os textos acima evidenciam alguns princípios benéficos na luta contra a solidão. Objetivando brevidade em nossa análise, ressalto apenas cinco tópicos observados nessas duas passagens bíblicas.

  1. A importância de tomar a iniciativa na busca por outras pessoas. Tanto Jesus como Paulo tomaram a iniciativa de buscar outras pessoas nos momentos em que se sentiam sós. Jesus pediu aos seus discípulos que orassem com ele e, embora não tenha sido atendido, não expressou qualquer arrependimento por ter tomado aquela iniciativa. O apóstolo Paulo, em sua solidão, pediu que Timóteo fosse ter com ele e ainda levasse consigo Marcos, o primeiro evangelista. Em outras palavras, nenhum deles permaneceu passivo na situação, simplesmente aguardando que outros viessem a eles, mas foram ativos na tomada da iniciativa e pediram ajuda de outras pessoas. Esse fato deve ser observado por todos os pastores que, muitas vezes, se deixam paralisar pelos momentos de solidão ministerial.
  1. A necessidade de usar o tempo disponível corretamente. Jesus tinha pouco tempo antes de sua prisão e o apóstolo Paulo tinha certeza de que o tempo de sua “partida” havia chegado (2Timóteo 4.6). Ainda assim, ambos foram sábios no uso do pouco tempo que lhes restava. Jesus dedicou seus últimos momentos a derramar o coração diante do Pai em oração. Já o apóstolo Paulo usou seus últimos dias para encorajar o jovem Timóteo e pedir que ele trouxesse a ele os livros e pergaminhos, ou seja, ele se dedicaria também à leitura. O tempo daqueles dois não foi desperdiçado com coisas insignificantes nem irrelevantes, mas ações necessárias e edificantes. Em outras palavras, a solidão não pode ser justificativa para a falta de investimento no crescimento espiritual do ministro.
  1. A bênção de reconhecer a presença de Deus nesses momentos. O fato de ter sido abandonado pelos seus discípulos não impediu Jesus de derramar o seu coração ao Pai e se submeter à sua bendita vontade. Embora os olhos dos discípulos estivessem fechados pelo sono, o Senhor sabia que os ouvidos do Pai estavam abertos à sua súplica e, por isso, orou intensamente. De igual modo, o apóstolo Paulo, mesmo abandonado “por todos”, reconheceu que o Senhor esteve ao seu lado (tradução melhor do que “o Senhor me assistiu”, v 17). De fato, o Deus que trabalha para o bem daqueles que o temem não desampara e nem abandona seus servos; a solidão social não é indicativo de isolamento espiritual imposto pelo Senhor. Reconhecer isso é alento ao coração aflito e motivo de louvor e contentamento diante de Nosso Pai Celeste.
  1. A primordialidade de analisar a situação sob a ótica eterna. O evangelista Mateus registra que a vontade de Jesus era ficar livre da angústia da cruz, mas seu desejo mais intenso era que a vontade do Pai se cumprisse em sua vida. Os olhos do Redentor estavam fitos nos benefícios eternos de sua aflição. Semelhantemente, o apóstolo Paulo confessou sua convicção de que o Senhor o livraria de toda obra maligna e o levaria “salvo para o seu reino celestial” (2Timóteo 4.18). Em ambos os casos, a situação foi analisada sob a ótica eterna e não apenas temporal. É certo que aquilo que acontece em nossa existência terrena machuca nosso coração e aflige nosso espírito, mas é possível obter alento ao contemplarmos nossa condição temporal sob a ótica eterna.
  1. A convicção de que o Senhor usa até nossa solidão para o avanço do seu Reino. O fato desses dois textos se encontrarem nas Escrituras deveria encorajar o servo de Deus quanto ao fato de que o Senhor não “desperdiça nada” em prol do avanço do seu Reino. Todavia, esses não são os únicos textos que retratam a solidão dos servos do Senhor. O que dizer sobre Moisés, que, após ter liderado o povo de Israel à Terra Prometida, morreu só (Deuteronômio 34)? E o que dizer de Elias, que, depois de derrotar os profetas de Baal, se sentiu solitário (cf. 1Reis 19)? Todos esses episódios consolam e confortam os servos do Senhor que lutam contra a solidão ministerial. Em outras palavras, Deus não desperdiçou aqueles momentos de angústia de seus servos e, certamente, não desperdiçará os nossos, pelo contrário, os empregará no avanço do Reino eterno.

Solidão ministerial não é privilégio de alguns, mas parece acompanhar os ministros do Senhor em ocasiões específicas nesse mundo. Ainda assim, o Senhor nunca abandona os seus servos e ainda estabelece nas Escrituras passos a serem seguidos pelo ministro piedoso.

Rev. Valdeci da Silva Santos – SNAP

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