Quando o pastor é dispensado . . . (parte 1)

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Pastores não são demitidos, são dispensados. Demissão, ou término do vínculo empregatício, é a rescisão contratual de uma atividade remunerada no campo empresarial. Há vários tipos de demissões (por justa causa, sem justa causa, a pedido, consensual etc.) e cada uma delas possui diferentes obrigações trabalhistas. No caso de pastores, por desempenharem uma “função ministerial” e não se obrigarem ao trabalho contratual, quando o vínculo com alguma igreja se encerra, diz-se que foram dispensados. Dispensa, no âmbito jurídico, diz respeito à liberação de um cargo ou dever. Logo, existe uma diferença técnica quanto à maneira de descrever o término de atividades dos pastores e o encerramento do vínculo de trabalho de funcionários do campo empresarial.

Ainda que tecnicamente diferentes, os efeitos emocionais tanto da demissão quanto da dispensa são semelhantes. As sensações de vazio e desorientação são comuns em ambos os casos. Porém, no caso da dispensa pastoral há agravantes quanto ao aspecto emocional, visto que o relacionamento desenvolvido entre o ministro e os membros da igreja é pessoal e fraternal, uma vez que todos são irmãos em Cristo. Quanto ao empregado, sua convivência pode ser impessoal e meramente profissional. É possível que a pessoa demitida nem mesmo conheça quem a demitiu, especialmente quando ela faz parte da lista de demissão por excesso do contingente. Assim, é compreensível que a dispensa seja mais dificilmente processada, tanto pelo ministro como por alguns membros da igreja. Em alguns casos, tanto o pastor quanto a igreja ficam confusos e sem perspectivas futuras, especialmente quando o vínculo entre o ministro e a igreja é desfeito por uma dispensa súbita.

Embora desgastante, tanto para o pastor quanto para a liderança e outros membros da igreja local, o fato é que muitos obreiros dedicados continuam sendo dispensados sem razão aparente. Em outras situações, eles são forçados a renunciar devido ao sentimento de impotência em relação a questões “imutáveis” para a liderança e tradição da igreja local. Há também casos nos quais a dinâmica de tratamento dado ao pastor e sua família pode ser interpretada como um convite implícito à saída. Em qualquer um desses casos, e outros não mencionados aqui, o resultado final será a dispensa pastoral, ou seja, a quebra do vínculo entre o ministro e sua congregação.

Considerando a complexidade dessa situação sob a perspectiva do ministro (pois certamente os presbíteros e líderes possuem outro ponto de vista), há diferentes maneiras de responder a essa conjuntura. A amplitude dessas respostas está intimamente conectada ao equilíbrio emocional e à maturidade espiritual do ministro dispensado. Portanto, é importante que o pastor e sua família saibam quão reveladoras são suas atitudes posteriores à dispensa. Com o objetivo de auxiliar nessa questão, listamos três categorias de respostas de ministros dispensados do exercício pastoral.

 

  1. Respostas comuns

Recentemente, o pesquisador americano Thom Rainer publicou uma lista das dez respostas comuns de pastores dispensados.[1] Segundo o pesquisador, essa lista foi confeccionada ao longo de trinta anos de ministério interagindo e entrevistando pastores que haviam sido dispensados. Embora o trabalho de Rainer tenha sido desenvolvido em outro contexto, a similaridade entre os pastores americanos e brasileiros nesse sentido é impressionante.

Selecionamos aqui apenas sete reações idênticas em ambos os contextos como representativas dos sentimentos comuns entre os pastores dispensados. Ainda assim, casos específicos podem variar e devem ser analisados individualmente.

  1. Por essa eu não esperava”. Muitos pastores nunca receberam uma avaliação do seu trabalho e nem mesmo uma pista de que a continuidade do ministério estava ameaçada. Nesses casos, a surpresa pode ser devastadora tanto para o ministro quanto para sua família.
  2. Ninguém me explicou a razão de minha dispensa”. Nesses casos, além de não receberem qualquer justificativa objetiva, os pastores são aconselhados a não comentarem o fato para não causar desconforto entre o rebanho. A sensação de injustiça pode ser brutal.
  3. Ninguém pediu minha opinião sobre esse assunto”. Em algumas ocasiões, quando uma justificativa é apresentada, o pastor se conscientiza de não ter tido participação objetiva sobre a questão. Assim, sua falta de participação parece ter sido decisiva quanto à sua dispensa. Só ele não sabia disso!
  4. Tudo foi orquestrado por um grupo poderoso na igreja local”. Esse parece ser um dos casos mais comuns na América Latina, onde igrejas locais operam sob a influência de determinadas famílias ou grupos. O problema é que muitos outros membros são, às vezes, prejudicados pela determinação de poucas pessoas.
  5. Um membro do conselho foi responsável pela minha dispensa”. Há líderes que parecem dar continuidade ao legado de Diótrefes, ou seja, gostam de exercer a primazia (cf. 3Jo 9). Nesse sentido, não podem ser contrariados ou ofendidos pelo pastor. Quando isso acontece, a permanência do ministro é interrompida e ele é dispensado.
  6. Minha família está devastada”. Essa é questão muito delicada, pois a família do pastor nem sempre é responsável pelos erros que ele cometeu e nem pode ser culpada pelas inimizades que fez ao longo do exercício ministerial. No entanto, todos sofrem profundamente, pois amam o esposo-pai/pastor e ao mesmo tempo o rebanho de Cristo que o dispensou. Nem sempre é possível esperar uma resposta madura dessas pessoas.
  7. Minha condição financeira é insuficiente para manter meus compromissos até encontrar outro campo”. Como o pastor geralmente é mal remunerado, as côngruas mensais são extremamente necessárias. Dificilmente encontramos um pastor com investimentos que lhe garantam os compromissos nos períodos de transição. Portanto, juntamente com a dispensa, há a preocupação com os compromissos, a condição financeira e o sustento da família.

Várias outras inquietações passam pela mente e perturbam o coração do pastor dispensado. Alguns se incomodam com a mudança, pois haviam sonhado permanecer longos anos no campo. Outros ainda faziam planos para próxima série de sermões ou por mais um ano de escola para os filhos. A dispensa, porém, muda toda essa realidade e além de continuar pastoreando pelo tempo restante, o ministro necessita se preocupar em encontrar um próximo campo.

 

  1. Respostas a serem evitadas

Por se tratarem de seres humanos fracos e frágeis, algumas vezes até imaturos emocional e espiritualmente, pastores nem sempre reagem corretamente à notícia de sua dispensa. Ademais, há ocasiões nas quais esses ministros se sentem injustiçados e desprovidos de tribunal humano para o qual apelar. Quando esses fatores prevalecem, suas respostas às dispensas não são muito nobres. Na verdade, algumas delas podem ser classificadas como carnais e erradas. Por essa razão, é importante identificar essas reações e procurar evitá-las.

Na tentativa de auxiliar no processo de uma reação sadia à frustração da dispensa, listamos cinco reações a serem evitadas. Infelizmente a constatação dessas reações negativas não necessita de um especialista no assunto, mas pode ser feita por qualquer membro da igreja que observa as atitudes do seu pastor. Quando isso ocorre, a influência pastoral se torna prejudicial ao rebanho.

  1. Pânico. Em certo sentido, é normal temer ante o desconhecido e a dispensa certamente gera algumas incertezas no coração e mente do pastor. No entanto, não há porque se entregar ao pânico e ser dominado pela ansiedade a ponto de perder o sono e atrapalhar o convívio social. As Escrituras estão repletas de exemplos de servos de Deus que diante do desconhecido creram no Deus que provém e tiveram suas emoções controladas por essa confiança (cf. Gn 22.8 e 14, Js 1.9, Jz 6.23 etc.). Além do mais, todas as vezes que se lê “não temas” na Bíblia, esse imperativo é seguido por uma frase de consolo (por que eu estou contigo, porque te tomo por tua mão direita etc.). No caso do ministério, considerando que o Senhor é quem vocaciona, é necessário descansar na verdade de que Ele também é quem sustenta o seu obreiro. Dessa maneira, pânico não é uma resposta saudável nem coerente com a mensagem que o pastor deve proclamar e praticar.
  2. Drama. Drama pode ser um texto, mas também uma encenação de uma narrativa elaborada para atrair a atenção de outros. O ser humano pode ser criativo ao construir inúmeras narrativas e encená-las. Pastores não são diferentes a esse respeito. Ao se sentirem aflitos e desprezados, alguns apresentam o conflito pessoal de maneira comovente, atraindo a empatia de outros para si. O problema é que o comportamento dramático é interpretado por muitos ao redor como uma atitude teatral na qual a pessoa se faz de vítima. Nesses casos, essa reação atrapalha o crescimento espiritual tanto daquele que sofre como dos que testificam a maneira como ele encara sua dor à luz das verdades que ele afirma crer. A afinidade produzida pelo comportamento dramático geralmente é fugaz e seu efeito dificilmente é positivo.
  3. Amargura. Nos dias atuais, amargura é tratada meramente como um sentimento de tristeza e sofrimento. Logo, é comum o aflito responder com amargura quando experimenta sua dor. O pastor, ao ser dispensado pode sofrer com o sentimento de rejeição e descaso e acalentar amargura em seu coração. Contudo, a Bíblia apresenta amargura como algo mais sério que contamina o coração e apodrece os relacionamentos. Por essa razão o apóstolo Paulo exorta os crentes a não entristecerem o Espírito Santo, mas lançarem fora “toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assim toda malícia” (Ef 4.31). Também, o escritor de Hebreus escreve para que seus leitores sejam diligentes e que “ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus; nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados” (Hb 12.15). Nesse sentido, a reação amargurada prejudica tanto o seu autor quanto aqueles que estão ao seu redor, incluindo família, amigos e irmãos.
  4. Difamação. Certamente uma das grandes tentações enfrentadas quando nos sentimos desconsiderados e desprezados é murmurar contra quem nos fez experimentar tal condição. Logo, não é incomum encontrar pastores dispensados falando mal de algumas pessoas envolvidas no processo da dispensa. A campanha de difamação pode operar em uma pista de mão dupla, na qual duas ou mais pessoas seguem falando mal de alguém, todas rumando para o enfraquecimento do corpo de Cristo. Conquanto a aflição de ser dispensado seja intensa e difícil de digerir, o pastor deve se lembrar dos ensinamentos do Senhor que disse: “. . .bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam. Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra; e, ao que tirar a tua capa, deixa-o levar também a túnica; dá a todo o que te pede; e, se alguém levar o que é teu, não entres em demanda. Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles. Se amais os que vos amam, qual é a vossa recompensa? Porque até os pecadores amam aos que os amam” (Lc 6.28-32). A meditação atenta sobre essas palavras deveria ser suficiente para desestimular qualquer servo de Deus em insistir na prática difamatória.
  5. Dissensão e divisão. Infelizmente há aqueles que ao serem dispensados pela liderança de uma igreja local sucumbem à tentação de sair com um grupo amigo e iniciar outra igreja. Quando isso acontece, por mais que a decisão da dispensa tenha sido errada, o corpo de Cristo é dividido pelas animosidades. Além do mais, esse fator impede que qualquer problema que necessita ser tratado o seja, pois, a divisão apenas transfere a atenção para outro problema criado. A igreja de Cristo não deveria se multiplicar por dissensões e sim pela intenção firme de expandir o Reino para outras localidades. Assim sendo, a decisão a esse respeito deverá ser harmoniosa e não o resultado de uma contenda.

Como observado, o problema de cada uma dessas respostas negativas consiste no fato de que elas revelam a imaturidade e, algumas vezes, até a carnalidade do seu autor. Logo, essas atitudes não colaboram com o crescimento espiritual do rebanho e nem com o bem-estar do obreiro e sua família. Conquanto comuns e naturalmente impulsionadas por nossa natureza pecaminosa, o obreiro sábio procurará lutar contra o desejo de recorrer a qualquer uma delas.

 

Na próxima semana discutiremos algumas respostas a serem cultivadas . . .


[1] RAINER, Thom. Ten common responses from fired pastors. Disponível em: https://thomrainer.com/2019/06/ten-common-responses-from-fired-pastors/. Acesso em: 04.07.2019.

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