Qualidades de um bom pastor

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O pastor é alguém que desempenha uma das funções mais privilegiadas do planeta. Ele é comissionado a proclamar a Palavra de Deus, cuidar do rebanho por quem Jesus derramou seu sangue, conduzir o povo de Deus em adoração e mobilizar a igreja a levar o Evangelho da salvação aos perdidos em todas as nações. As almas dos santos foram confiadas a ele (Hb 13.7), o Evangelho da verdade foi encomendado a ele (2Tm 2.14) e o governo da igreja foi delegado a ser partilhado entre ele e outros líderes (1Tm 3.15). Todos esses privilégios são também acompanhados por grande responsabilidade. Diante disso, é possível compreender melhor a difícil pergunta do apóstolo Paulo: “Quem, porém, é suficiente para estas coisas?” (2Co 2.16). Certamente o Senhor é quem capacita seus servos para o desempenho do ministério sagrado.

Considerando a complexidade da tarefa ministerial, quais seriam as qualidades básicas para avaliar um bom pastor? A Bíblia possui as qualificações gerais para o presbiterato, mas o que dizer para aqueles que se dedicam à docência e ao pastoreio do rebanho em tempo integral? Em outras palavras, o que, de fato, as pessoas deveriam procurar ou esperar de um pastor? A resposta a essas perguntas pode variar de acordo com a necessidade do contexto (a igreja local) ou da perspectiva que alguém tem do ministério pastoral. No entanto, deve haver consenso quanto algumas virtudes básicas para o desempenho desse serviço sagrado.

Algumas obras literárias sobre o ministério pastoral comumente apresentam um conjunto de cinco atributos essenciais para o ministro do evangelho.[1] É preciso distinguir essas qualidades daquelas habilidades a serem aprendidas no decurso da experiência ministerial. As características básicas são implantadas pelo Espírito Santo naquele que é vocacionado para o ministério. As habilidades dizem respeito a elementos assimilados com o estudo e a prática ministerial, tais como: eficácia na comunicação, sabedoria relacional, prudência administrativa etc. Enquanto um obreiro pode expressar o desenvolvimento de algumas habilidades em maior ou menor grau, nenhum pastor deveria exercer o ministério sem as qualidades básicas para o pastorado.

Visando melhor memorização dessas qualidades, procurei apresenta-las como cinco “Cs” essenciais para se avaliar um bom ministro. Certamente esse recurso pedagógico é importante, mas o essencial é que consideremos o conteúdo de cada qualidade apresentada.

  1. Conversão

Uma das maiores tragédias que podem acometer o ministério pastoral é o fato dele ser exercido por uma pessoa descrente. Em 1739, o Rev. Gilbert Tennett, ministro presbiteriano do período do Grande Avivamento Americano, pregou seu famoso sermão (que depois foi impresso) com o título “Os riscos de um ministério não convertido”.[2] Na mensagem ele descreveu os ministros descrentes como uma maldição sobre a igreja, pois eles se beneficiam da fé e fidelidade dos crentes. Tennett os identificava como “lagartas que se esforçam para devorar tudo o que é verde ao redor”. Como é sabido, as lagartas são incansáveis no intento de consumir a vegetação disponível.

Na verdade, é possível que alguém que nunca tenha experimentado a graça transformadora do Evangelho até consiga cumprir todos os passos exigidos por uma denominação a ponto de ser ordenada ao pastorado, mas quando isso acontece, é uma desgraça. Não é exercício de uma tarefa santa por um ministro que o transformará ou santificará. Como o puritano Richard Baxter escreveu no clássico O pastor aprovado, “uma santa vocação não salvará um homem que não é santo”.[3] O fato de Judas ter feito parte do colégio apostólico não fez dele um convertido e nem a experiência de Demas participando do ministério evangelístico de Paulo o impediu de ser vencido por suas paixões. Portanto, é imprescindível que o que prega o Evangelho tenha sido convertido pelo poder desse Evangelho, experimentando a tristeza do arrependimento e a alegria da fé salvadora.

  1. Caráter Provado

A igreja contemporânea geralmente avalia pastores por suas habilidades e acaba optando por carisma antes que caráter. Visto de uma perspectiva humana, não é difícil compreender porque isso acontece. Todos somos naturalmente atraídos por pessoas de notável carisma e talentos excepcionais. Gostamos de ouvir comunicadores habilidosos e ser conduzidos por líderes talentosos. Além do mais, acabamos nos convencendo de que o sucesso é uma prova inegável da bênção de Deus. Nesses casos, os resultados parecem ofuscar a necessidade de se avaliar o caráter.

O Novo Testamento é enfático ao apontar o caráter como uma das principais características do pastor. Dentre as qualificações estabelecidas no Novo Testamento para o pastorado, duas são relacionadas a habilidades (a que diz respeito ao ensino e ao governo de sua própria casa) e uma tem a ver com a experiência (ele não deve ser um convertido recente). O restante de todas as outras qualificações dizem respeito ao caráter do obreiro. Assim, o que habilita um homem para o ministério não é primariamente sua capacidade ou realizações, mas seu caráter reconhecido pela comunidade.

Nesse sentido, duas virtudes de caráter se destacam: humildade e integridade. Aqueles que conduzem o rebanho de Cristo devem se ver antes de tudo como servos e não como dominadores. Baxter escreveu que “ser bispo, pastor ou presbítero não é postar-se como semideus ante o qual o povo deva prostrar-se, nem viver atendendo aos próprios desejos e prazeres carnais”.[4] O pastor necessita ser humilde, reconhecendo sua função como privilégio e não como mérito. Também, ele necessita evidenciar integridade ao viver aquilo que ele prega e ensina. Nesse sentido, ele procurará evitar a parcialidade nos julgamentos e será notado por sua honestidade e veracidade. É importante lembrar que Deus é servido pela prática da verdade dos seus servos.

Muitos dos problemas na igreja local e global nos dias atuais são causados ​​pelo fracasso em atender a este simples princípio. Vários pastores têm gerado escândalos na igreja pela falha de caráter. Muitos cristãos poderiam ser poupados de tantos traumas se suas igrejas se recusassem a colocar na liderança alguém que não possui o caráter exigido por Deus.

  1. Compaixão por Pessoas

Biblicamente falando, o pastor é aquele que cuida do rebanho de Deus (At 20.28). Assim, é essencial que ele seja compassivo e tenha amor pelas ovelhas que lhe foram confiadas. O interesse por servir, ajudar e cuidar das pessoas é fundamental no exercício da vocação pastoral.

Uma das razões pelas quais compaixão é tão importante no pastorado é o fato de que o verdadeiro Deus é compassivo. O Salmo 103.13, por exemplo, afirma: “Como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se compadece dos que o temem”. Em outra passagem do Antigo Testamento é dito sobre Ele: “. . . ainda que entristeça a alguém, usará de compaixão segundo a grandeza das suas misericórdias” (Lm 3.32). Definitivamente, a compaixão de Deus foi perfeitamente demonstrada na manifestação do seu Filho Jesus Cristo.

Além do mais, era exigido dos sacerdotes no Antigo Testamento que eles fossem compassivos com os outros. Em Hebreus 5.1-2 temos: “Porque todo sumo sacerdote, sendo tomado dentre os homens, é constituído nas coisas concernentes a Deus, a favor dos homens, para oferecer tanto dons como sacrifícios pelos pecados, e é capaz de condoer-se dos ignorantes e dos que erram, pois também ele mesmo está rodeado de fraquezas”. O fato de o sacerdote refletir que também era um pecador fazia com que ele fosse compassivo com outros pecadores.

Amor e compaixão pelas pessoas é uma qualidade básica da vocação ministerial. Logo, o pastor irascível, impaciente e desprovido de amor, falha em seguir o exemplo do Supremo Pastor e contradiz sua vocação.

  1. Consagração a Deus

Um dos versos bíblicos mais desafiadores encontra-se em Mateus 14.23, que descreve algo sobre a prática de oração de Jesus: “E, despedidas as multidões, subiu ao monte, a fim de orar sozinho. Em caindo a tarde, lá estava ele, só”. Nenhuma pessoa pode ler esse texto sem considerar que se o próprio Filho de Deus cultivou uma vida de oração, o menosprezo dessa prática comunica arrogância daquele que pensa poder crescer espiritualmente sem comunhão com Deus, como também resulta em falência da vitalidade necessária para a prática ministerial.

Frequentemente encontramos pastores que se encontram tão ocupados que já não possuem a prática devocional regularmente. A atmosfera de constante atividade acaba sufocando o tempo que deveria ser dedicado à oração e meditação na Palavra. Todavia, sem comunhão pessoal com Deus, o pastor não terá eficiência no cuidado dos remidos do Senhor. As Escrituras ensinam que os obreiros colhem, mas é Deus quem dá o crescimento; eles pregam, mas é o Espírito Santo que aplica a mensagem ao coração dos ouvintes; eles conduzem o culto, mas é Deus quem transforma a vida dos adoradores. Assim, comunhão com Deus não é um apêndice, mas a base do ministério pastoral.

A consagração a Deus liberta o pastor do perigo do profissionalismo ministerial. Sem ela, o trabalho pastoral se torna mecânico e árido. Certamente é muito mais fácil pregar contra o pecado na vida dos outros do que procurar mortificá-lo em nosso próprio coração, mas sem essa mortificação não encontramos a vitalidade necessária para o crescimento espiritual. O processo da mortificação, porém, só é possível por meio de contínua consagração a Deus. Como Paulo afirma: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18). Se alguém almeja o pastorado, deve almejar também a comunhão com Deus.

  1. Confiabilidade

Confiança é um dos principais fundamentos para a estabilidade nos relacionamentos. Sem ela, as pessoas acabam se distanciando e onde deveria existir intimidade, prevalecem as interações formais. Além do mais, confiança é uma dimensão crítica da liderança. Se os seguidores não confiam no líder, esse certamente não realizará muito. Sem confiança, é improvável que os indivíduos se comprometam com ações necessárias para o desempenho de uma missão. O pastor é alguém com uma função essencialmente relacional e alguém que deve exercer a liderança. Logo, é necessário que o seu rebanho o perceba como alguém confiável.

Nos últimos anos, vários fatores têm contribuído ativamente para um crescente descrédito em relação ao ministério pastoral. Alguns desses elementos são: notícias sobre falhas morais de pastores, seus fracassos relacionais, atitudes de arrogância em relação ao rebanho, o desastre dos envolvimentos contenciosos e o uso vulgar da mídia. Essas coisas resultam na erosão social da confiança que as pessoas deveriam ter naquele que representa o verdadeiro Deus.

Confiabilidade é uma virtude facilmente percebida por meio de atitudes consistentes. Dentre essas atitudes estão: humildade em relação ao próximo, a integridade no falar a verdade e aborrecer a mentira, o zelo para não expor pessoas e suas histórias vergonhosas etc. Enfim, confiabilidade é o resultado de um procedimento sábio, consistente e prudente por parte daquele que conduz o rebanho de Cristo. Isso não é concedido miraculosamente no momento da ordenação, mas necessita ser parte da pessoa vocacionada para o ministério sagrado.

 

Concluindo, todos os que desejam ser encontrados fieis no ministério e que ambicionam ser julgados bons pastores fazem bem em considerar essas características e cultivá-las na vida diária. Se nos preocupamos apenas com o periférico ao invés do essencial, a prática ministerial não será satisfatória para o rebanho e muito menos para nós, pastores.

Rev. Valdeci S, Santos – SNAP


[1] Por exemplo: BAXTER, Richard. O pastor aprovado. São Paulo: PES, 1989; CROFT, Brian.Prepare them to shepherd. Grand Rapids: Zondervan, 2014; STILL, William. The work of the pastor. Escócia: Christian Focus Publications, 1984.

[2] TENNETT, Gilbert. The danger of an unconverted ministry. Disponível em:http://www.sounddoctrine.net/Classic_Sermons/Gilbert%20Tennent/danger_of_unconverted.pdf. Acesso em: 15 de maio de 2019.

[3] BAXTER, Richard. O pastor aprovado. São Paulo: PES, 1989, p. 59.

[4] Ibid., p. 116.

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