A HORA DE SAIR

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O artigo dessa semana vem da reflexão de um amigo e colega de ministério com quem tenho caminhado ao longo dos últimos anos: Dr. Augustus Nicodemus. Companheiro de risos e lágrimas, Augustus tem me impressionado por sua sinceridade e seriedade na vida cristã. No texto abaixo, ele compartilha conosco algumas lições dificilmente aprendidas sobre o momento certo do pastor deixar o pastorado da igreja local. Fui muito edificado ao ler o texto e o único item que eu acrescentaria à reflexão do Dr. Augustus é que há ocasiões que o pastor precisa sair por compreender ser a vontade do Supremo Pastor que ele exerça os seus dons a serviço de outro rebanho! Rogo a Deus que as palavras abaixo sejam tão benéficas para sua alma como foram para mim!

– Valdeci Santos

A HORA DE SAIR

Uma das maiores dificuldades que pastores de igrejas locais enfrentam é decidir quando devem sair do pastorado de sua igreja. Em geral, pastores deveriam ficar o máximo que pudessem. Pastorados longos costumam ser mais abençoadores para as igrejas do que pastorados breves. A razão é que mudanças e transformações permanentes numa igreja demandam tempo. Contudo, nem sempre pastores conseguem continuar a ser úteis em uma igreja por períodos demorados.

O escritor da carta aos Hebreus exortou seus leitores, com relação aos seus pastores: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hb 13.17). A exortação acima parte do pressuposto que pastores que trabalham gemendo em geral não são proveitosos, ou seja, úteis para a congregação. Segue-se que não sendo possível eliminar as causas para o gemido, os pastores que perderam a alegria de pastorear aquela igreja deveriam pensar em mudar.

Essa é uma decisão difícil de tomar, especialmente porque temos exemplos de grandes homens de Deus que, mesmo gemendo, permaneceram pastoreando igrejas difíceis. Moisés, por exemplo, por diversas vezes quis largar a liderança do povo de Israel. Não o fez porque Deus o havia comissionado expressamente a levar o povo do Egito à terra prometida. Profetas, como Jeremias, por diversas vezes quiseram jogar a toalha diante da aparente falta de resultados de seu ministério entre os judeus, mas profetizou até o fim. Mas, por outro lado, Paulo e Barnabé se separaram por não conseguirem superar as diferenças entre eles sobre a equipe missionária. Não conseguiram continuar juntos (Atos 15.16-41). Nem sempre é possível permanecer muito tempo.

Essa questão é mais aguda hoje do que nos tempos neotestamentários. Os pastores naquela época quase sempre eram homens que se converteram e cresceram espiritualmente em suas comunidades. As chances de que permaneceriam nelas ministrando a Palavra eram muito grandes. Hoje, a situação é diferente. As estatísticas sugerem que o tempo médio que um pastor de denominação histórica fica em uma igreja local hoje é de três anos. Pastorados longevos são a exceção e não a regra.

Como eu disse no início desse artigo, permanecer o mais que puder deve ser a primeira opção do pastor. Mas, alguns sinais podem indicar que chegou a hora de sair.

  1. Os seus dons não atendem mais a necessidade da igreja. Nenhum pastor tem todos os dons espirituais. Somos mais eficientes em algumas áreas do que em outras. É comum um pastor chegar em uma igreja que passa por uma crise, conseguir pacificar e reunir as lideranças e membros, e depois disso feito, perceber que a igreja está em uma nova fase e precisando de um pastor que tenha determinadas habilidades que ele mesmo não tem. Está na hora de dar lugar a outro pastor que tenha aquilo que a igreja precisa nessa nova fase. Permanecer sem ter a capacidade necessária vai gerar cobranças (por vezes humilhantes) da parte da liderança e dos membros.

 

  1. O pastor não consegue se sentir “parte” da igreja. Igrejas são formadas de famílias, grupos, amigos de longa data. Nem sempre alguém de fora consegue entrar. Um pastor pode ser respeitado, muito bem tratado e ainda assim se sentir um estranho, alguém que está ali para prestar um serviço espiritual àquela comunidade, a qual tem sua vida própria e da qual o pastor não consegue fazer parte. Isso se deve em parte à falta de “química” entre o pastor e os membros da igreja. A dura realidade é que embora amemos a todos, não conseguimos nos dar bem e nos sentirmos íntimos de todos. Existem algumas qualidades eletivas que nos fazem gostar mais de algumas pessoas. A falta delas gera apenas respeito, atenção, mas não aquela química que traz amizades profundas e relacionamentos íntimos. É muito difícil pastorear sem essa amizade e intimidade com o povo. Em graus extremos desse caso, o pastor deveria pensar em sair.

 

  1. Surgem divergências insuperáveis com a liderança em áreas cruciais para a vida da igreja. Sempre haverá divergências entre os líderes da igreja sobre praticamente todos os assuntos, desde a liturgia do culto até a cor do estacionamento. Nem sempre essas divergências são tratadas de maneira caridosa, sábia e amorosa. E às vezes elas simplesmente não conseguem ser superadas. Se a questão atinge diretamente o ministério pastoral ou a vida da congregação, talvez sair seja a melhor opção para o pastor.

 

  1. A família do pastor está sendo afetadaIgrejas podem ser cruéis com a esposa e os filhos do pastor. Críticas, cobranças, comparações e ironias feitas à família do pastor produzem amargura e mesmo revolta neles. Talvez seja essa uma das razões pelas quais existem tantos filhos de pastores afastados da igreja. Quando ficar vai trazer prejuízo espiritual para sua família, o pastor deveria sair.

 

  1. O pastor perdeu a autoridade. Sem que seja respeitado pela igreja, pastor algum poderá ser útil a ela. Há várias causas para essa perda de autoridade, desde críticas infundadas e calúnias espalhadas por membros insatisfeitos até a própria maneira de ser do pastor, seu estilo de vida incompatível com sua função ou a maneira como ele lidera sua família.

 

Quando um pastor entendeu que está na hora de sair, deve fazê-lo com humildade, sabedoria e graça, mesmo no caso em que não seja por culpa dele. Antes de tomar o passo decisivo, deve consultar-se com sua esposa, com amigos e irmãos experientes e sábios, e deve principalmente confiar na promessa de Salmo 25.12: “Ao homem que teme ao Senhor, ele o instruirá no caminho que deve escolher.” A questão difícil, “para onde irei agora?”, também deve ser encarada em oração e confiança em Deus, especialmente se o pastor e sua família dependem do sustento da igreja local e não têm outra fonte de subsistência.

Igrejas e pastores deveriam sempre refletir e aprender com episódios de transição pastoral. Se houvesse mais disso, quem sabe a média de permanência de pastores nas igrejas seria mais alta.

 

– Augustus Nicodemus Lopes

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