PASTORES EM CONDIÇÃO DE RISCO

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O pastorado não é uma profissão convencional, mas uma atividade vocacional que contém seus próprios riscos. Nos últimos dias nos tornamos mais conscientes desses perigos ao lermos sobre pastores que sofreram burnout, esgotamentos e até cometeram suicídio. Outros ainda foram afastados do ministério e despojados por conduta contrária ao padrão do evangelho. Há ainda casos de pastores que mesmo ativos no ministério, perderam a alegria e a vitalidade, deixando claro que, se tivessem alternativa, deixariam o pastorado. O problema é que essas notícias, muitas vezes vêm à público quando já se é tarde demais!

Certamente os riscos do pastorado são muitos, mas alguns pastores se encontram em condições mais perigosas que outros. Ao identificar alguns desses riscos, poderemos cuidar melhor, avaliar e, talvez, evitar maiores desastres a esses irmãos. Portanto, relaciono abaixo alguns pastores e condições inseguras em que exercem o ministério pastoral.

 

  1. O pastor solitário

Solidão é diferente de solitude. A primeira diz respeito ao isolamento, enquanto a segunda é uma disciplina espiritual mediante a qual a pessoa cultiva privacidade para um relacionamento mais profundo com o Senhor Deus (cf. Lc 5.16). O problema é que há pastores que preferem a solidão e se isolam no ministério.

O pastor solitário se coloca em condição de risco ao se posicionar em uma esfera na qual poucos têm acesso ele. Com isso, quase ninguém consegue ajudá-lo ou admoestá-lo e em momentos de crise, ele não consegue identificar outros para ajudá-lo. Para piorar, é preciso lembrar que o pecado floresce mais rapidamente no isolamento (cf. 2Sm 11-12). Ao final, a solidão acaba sendo preenchida pela vitimização ou pela amargura. Logo, solidão ministerial é muito arriscada!

 

  1. O super pastor

Esse é aquele pastor que possui um enorme zelo pela causa do Senhor e se sente responsável por fazer todas as tarefas possíveis no ministério pastoral. Geralmente ele não expressa nenhuma fraqueza, não admite nenhuma limitação, não respeita folgas nem férias e se mostra incansável no trabalho do Senhor. Em seu íntimo, o super pastor se sente indispensável!

O problema com essa atitude é que, além de impedir que outras pessoas ao redor exerçam seus dons espirituais na causa de Cristo, esse irmão ignora o ritmo de seu corpo, suas limitações físicas e emocionais. Esse ministro pode ter um break down de um momento para o outro e, quando isso acontece, ainda terá que enfrentar a culpa por ter adoecido e se abatido.

 

  1. O pastor celebridade

Nenhum pastor gostaria de ser impopular. Todavia, alguns parecem não medirem esforços para se tornarem celebridades no mundo evangélico. Acontece que a celebridade nem sempre se faz acessível e acaba se recolhendo na esfera do isolamento. Além do mais, mesmo quando a celebridade faz algo errado, há uma “tolerância maior” com ela, pois geralmente essa pessoa é tão querida e faz tantas outras coisas úteis.

Essa é exatamente a razão porque o pastor celebridade se coloca em condição perigosa. O problema é que “pecados escandalosos” geralmente começam como “pequenos erros”. Além do mais, um ministério influente e popularidade crescente podem não ser indicadores da bênção de Deus, pois muitos pastores caíram no passado em momentos que experimentavam a “glória” da aprovação popular. Finalmente, popularidade foi uma das últimas tentações apresentadas ao Redentor (cf. Mt 27.42).

 

  1. O pastor politiqueiro

O ser humano é uma criatura política, pois é um ser social, criado à imagem do Deus relacional. O convívio social implica organização e governo e tudo isso demanda o exercício político. Há, porém, diferenças práticas entre ser político e ser politiqueiro. Além de preocupar-se demasiadamente com as manobras políticas, o politiqueiro pode, em várias ocasiões, usar meios não louváveis em sua maneira de agir politicamente. Infelizmente essa não é uma característica apenas da política secular, mas acaba se revelando também na política denominacional e na prática local de alguns pastores.

O pastor politiqueiro acaba depositando sua confiança e segurança nas manobras, acordos e conchavos feitos com outros líderes eclesiásticos. Essa atitude indica que o maior temor desse indivíduo é em relação ao poder dos homens, das instituições e das ordens humanas e não de Deus. Por isso, sua segurança se encontra nos seus acordos e planos e não em Deus. O sábio de Provérbios afirma que “quem teme ao homem arma ciladas” (Pv 29.25) e talvez isso explique algumas manobras do politiqueiro. Nem precisa afirmar quão arriscada é essa condição!

 

  1. O pastor belicoso

É verdade que a “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” precisa ser defendida e essa defesa pode exigir uma “batalha” (Jd 3). Todavia, nem tudo no ministério precisa se transformar motivos para uma “boa briga”. Além do mais, as Escrituras também afirmam que “é necessário que o servo do Senhor não viva a contender” (2Tm 2.24). Mas alguns pastores preferem o caminho da belicosidade!

O problema do belicoso é que nem sempre ele distingue pelo que, de fato, deve lutar. Alguns confundem preferências pessoais com convicções doutrinárias e desperdiçam tempo e esforços em questões que não trazem edificação. Pior ainda, o belicoso geralmente procura justificar sua ira e seu zelo teologicamente e, consequentemente, se torna cego para com os seus exageros e caprichos. Isso aconteceu com o profeta Jonas que não teve como justificar sua atitude diante de Deus (cf. Jn 4.9). O perigo dessa condição tem a ver com a autojustiça do pastor belicoso e com o estrago que o seu procedimento pode causar na vida das ovelhas de Cristo.

 

  1. O pastor insatisfeito

Contentamento é uma virtude a ser cultivada, pois a tentação em prol do descontentamento está em todo lugar. O puritano Jeremias Burroughs (1599-1646) escreveu sobre “a joia rara do contentamento cristão”[1] um tesouro inestimável e preservado por todo cristão, pois “grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (1Tm 6.6).

Todavia, o descontentamento acaba roubando não apenas a alegria, mas a energia da alma e o crente passa a fazer o trabalho do Senhor gemendo. Além do mais, a insatisfação alimenta a murmuração e a amargura, que por sua vez, contamina os que se encontram ao redor. O apóstolo Paulo exortou o crente a “fazer tudo sem murmurações nem contentas” (Fp 2.14).

No caso do pastor insatisfeito, sua alma cansada afetará seu relacionamento com Deus, com a família e com suas ovelhas. O risco de tudo isso é esse pastor entrar em um “jogo de comparações” e ressentimentos que não beneficia ninguém. Dificilmente esse pastor será um “portador de boas novas”, pois chegará um ponto que ele não conseguirá ver beleza nem bênçãos no que Deus tem realizado em sua vida.

 

  1. O pastor com o “casamento por um fio”

O casamento pode ser tanto fonte de alegria, como de sofrimento. Quando o relacionamento no qual deveríamos gozar a mais profunda intimidade aqui na terra se torna nossa fonte de angústia, há sempre o perigo de buscarmos alívio e realização fora desse contexto. No caso do ministro, isso é receita certa para o desastre e ruína.

Infelizmente há pastores cujo relacionamento conjugal só é mantido por um fio. Esse “fio” pode ser o medo do despojamento, o receio de perder os filhos, a angústia de cair em descrédito e etc… Porém, é sempre muito perigoso viver dependente de um “fio”. Nos casos dos pastores que lutam com problemas no casamento, o mais sábio seria buscar ajuda, tratar a ferida e procurar recobrar o amor que um dia uniu o casal. Nesse sentido, é sempre bom notar que geralmente quando falamos que falta amor no relacionamento, a maior ausência na verdade é a do próprio Deus, pois Deus é amor (1Jo 4.8). De qualquer maneira, não apenas o casamento, mas é sempre arriscado manter a própria vida “pendurada por um fio”.

 

Certamente esses tipos de ministros mencionados acima são apenas uma pequena amostragem de como o universo pastoral pode ser arriscado. Há muitas outras dificuldades que não foram contempladas aqui, mas cada pastor pode refletir melhor sobre sua condição e humildemente buscar graça diante do Senhor e ajuda com outros membros do Corpo de Cristo. Em tese, permanece a norma de que a melhor maneira de se proteger dos desastres é saber que somos vulneráveis aos mesmos!

 

– Valdeci Santos


[1] BURROUGHS, Jeremiah. Aprendendo a estar contente. São Paulo: PES, 1990-2003.

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